Leucoplasia Verrucosa Proliferativa

Leucoplasia Verrucosa Proliferativa

DEFINIÇÃO

A LVP pode ser considerada uma forma distinta de leucoplasia oral (LO) caracterizada por lesões multifocais, evolução clínica progressiva e alterações na aparência clínica e nas características histopatológicas. No entanto, a posição de classificar a LVP como uma entidade separada não é universalmente aceite, uma vez que leucoplasias grandes e generalizadas, e não apenas LVPs, apresentam um risco distinto de transformação maligna.

Em 2020, o Grupo de Trabalho do Collaborating Centre for Oral Cancer da OMS reconheceu que “apesar de o termo LVP não ser perfeito para definir um grupo generalizado de pacientes com lesões multifocais é o termo que mais se utiliza e, portanto, o Work Group recomendou que assim continuasse”. O mesmo grupo propôs a seguinte definição: “uma alteração progressiva, persistente e irreversível, caracterizada pela presença de múltiplas leucoplasias que frequentemente se tornam verrucosas”.

Epidemiologia e Risco de Evolução para Cancro

  • Estima-se que a prevalência geral de LO varie entre 1,5% e 2,6%. A LVP é menos comum que a leucoplasia padrão e os dados sobre a sua prevalência não estão disponíveis.
  • A etiologia da LVP permanece desconhecida.
  • A LVP é mais comum em mulheres idosas, independentemente da raça, e não está associada aos fatores de risco tradicionais da LO nem do Carcinoma de Células Escamosas Oral (CCEO), ou seja, o consumo de tabaco e álcool.
  • Aproximadamente dois terços dos casos de LVP ocorrem em pacientes que nunca fumaram e que não relataram consumo excessivo de álcool.
  • A prevalência de HPV relatada na LVP varia entre 0 a 88% com base nos resultados de estudos com pequenos números de pacientes.
  • Um estudo que investigou a prevalência de HPV em 58 pacientes não mostrou diferenças significativas entre pacientes com patologia de LVP e aqueles com LO convencional (24% contra 25%)
  • No primeiro exame histopatológico, a maioria das lesões de LVP (52,5%) mostra hiperqueratose sem displasia ou hiperplasia verrucosa.
  • Não obstante, a LVP está associada a uma maior incidência de cancro oral entre as OPMDs, seja carcinoma verrucoso ou carcinoma de células escamosas.
  • Aproximadamente 61% dos pacientes com LVP desenvolvem cancro oral num período médio de 7,4 anos, embora tenha sido estimado através de uma revisão sistemática que a transformação maligna ocorre em 49,5% (IC 26,7%-72,4%) dos casos de LVP (Spriano et al., 2020) .
  • A taxa anual de transformação maligna é estimada em 10%.
  • Como evidenciado por séries de casos recentes, múltiplos carcinomas primários de locais gengivais têm sido relatados na literatura sobre pacientes com LVP.
  • A taxa de mortalidade associada à LVP é de cerca de 40%.

Manifestações Clínicas

Clinicamente, a LVP pode envolver uma única grande área da mucosa oral, embora seja frequentemente multifocal, afetando a gengiva, a mucosa oral e a língua em locais contíguos e não contíguos da cavidade oral. Os locais mais afetados pela LVP são a gengiva (62,7%), a mucosa oral (59,8%) e a língua (49,1%). As Figuras 1-4 ilustram vários locais da cavidade oral com LVP.

Figura 1: Sextante anterior inferior da gengiva com LVP densa, de aspeto nodular. Também pode ser observada uma mancha pontilhada no sulco gengival inferior esquerdo.
Figura 1: Sextante anterior inferior da gengiva com LVP densa, de aspeto nodular. Também pode ser observada uma mancha pontilhada no sulco gengival inferior esquerdo.
Figura 2: LVP leve afetando os bordos edêntulos
Figura 2: LVP leve afetando os bordos edêntulos
Figura 3: Área multifocal densa de LVP ao redor da lateral direita da língua
Figura 3: Área multifocal densa de LVP ao redor da lateral direita da língua
Figura 4: Rebordo edêntulo posterior inferior esquerdo afetado por LVP.
Figura 4: Rebordo edêntulo posterior inferior esquerdo afetado por LVP.

As principais características da LVP são a multifocalidade e a evolução clínica progressiva. As lesões orais na LVP estão frequentemente associadas a alterações contínuas no quadro clínico e histopatológico. A Tabela 1 identifica as características clínicas da LVP, conforme descrito no mais recente relatório sobre OPMDs preparado pelo Collaborating Centre for Oral Cancer da OMS.

Manifestações Clínicas da LVP
Múltiplas manchas brancas espessas em mais de dois locais distintos, frequentemente encontradas na gengiva, rebordos alveolares e palato.
A maioria das lesões apresenta um padrão verrucoso.
As lesões espalham-se e coalescem durante o desenvolvimento.
Recorrência numa área previamente tratada

Tabela 1: Manifestação clínica da LVP, de acordo com o Collaborating Centre for Oral Cancer (2020) da OMS [4].

Geralmente, a LVP tem início como leucoplasia homogénea sem presença de displasia no exame histológico e evolui progressivamente para lesões verrucosas numa área única ou múltipla da mucosa oral. Na sua fase inicial, a LVP manifesta-se como uma ou mais leucoplasias que progressivamente afetam vários locais com disseminação gradual de uma única lesão ou coalescência de múltiplas lesões [3,4], podendo apresentar-se como uma lesão multifocal sem a aparência verrucosa típica. Além disso, a lesão inicial pode ser branca e plana, por vezes apresentando aspeto liquenoide, dificultando a distinção entre a LVP e o líquen plano oral (LPO) [3,4,28,29]. Nesses casos, a LVP pode ser erroneamente tratada como LPO por longos períodos com o risco subsequente de não confirmar ou atrasar o diagnóstico de um possível carcinoma de células escamosas oral.

A LVP também foi caracterizada por eritema proeminente (19% na série de Villa et al) com uma taxa de transformação maligna (MTR) de 100% quando comparada com as lesões sem componente eritematoso (MTR 62,5%).

Diagnóstico

  • As características histopatológicas da LVP não são patognomónicas e são inespecíficas, podendo adquirir o aspeto de hiperqueratose nos estágios iniciais, hiperplasia verrucosa e diferentes graus de displasia.
  • Além disso, os casos clinicamente caracterizados por um componente inflamatório ou aparência liquenoide podem apresentar uma banda linfocítica “liquenoide” e ser erradamente diagnosticados como LPO.
  • Assim, o diagnóstico definitivo da LVP é feito com base nos resultados clínicos e na caracterização histopatológica.
  • Toda a lesão branca que se torne verrucosa e exofítica, com disseminação ao longo do tempo e recorrência após o tratamento, deve ser considerada LVP.

Desde a primeira definição em 1985, outros autores propuseram critérios diagnósticos alternativos. Em 2010, Cerero-Lapiedra et al propuseram cinco critérios major e quatro minor, com as suas combinações específicas, para estabelecer um diagnóstico precoce de LVP (Tabela 2).

Critérios MajorCritérios Minor
Leucoplasia oral afetando mais de dois locais distintos (frequentemente gengiva, palato e rebordo alveolar)As lesões cobrem uma extensão de mucosa que excede 3 cm (na soma de todas as áreas afetadas)
Aparência clínica verrucosaGénero feminino
As lesões mostram progressão clínica e metastizaçãoNão-fumador (independentemente do género)
Recorrência numa área previamente tratadaEvolução da doença superior a 5 anos
Quadro histopatológico de hiperqueratose epitelial oral ou hiperplasia verrucosa, carcinoma verrucoso ou carcinoma de células escamosas.

O diagnóstico de LVP pode ser estabelecido quando:
três dos critérios major (incluindo o critério histopatológico)
ou dois critérios major (incluindo o critério histopatológico) e dois minor

Tabela 2: Critérios de diagnóstico de LVP de acordo com Cicero-Lapiedra et al. (Modificado por [3,20]).

Carrard et al propuseram simplificar os critérios de diagnóstico da LVP, omitindo a distinção entre critérios major e minor, sugerindo quatro critérios que devem ser observados (Tabela 3).

Critérios de diagnóstico modificados: todos os quatro devem ser confirmados.
Leucoplasia apresentado áreas verrucosas, envolvendo mais de duas sub-regiões orais. São reconhecidas as seguintes sub-regiões: dorso da língua (unilateral ou bilateral), bordo da língua, mucosa jugal, mucosa alveolar ou gengiva superior, mucosa alveolar ou gengiva inferior, palatos duro e mole, pavimento da boca (mucosa por baixo da língua), lábio superior e lábio inferior.
Somando todos os locais envolvidos, o tamanho mínimo da amostra deve ser de, pelo menos, três centímetros.
Um período de evolução de doença bem documentado de pelo menos cinco anos, sendo caracterizado por disseminação e aumento e ocorrência de uma ou mais reincidências numa área previamente tratada.
Deve ser realizada pelo menos uma biópsia para descartar a presença de carcinoma verrucoso ou carcinoma de células escamosas.

Tabela 3: Critérios de diagnóstico de LVP simplificados.

  • Ao obter uma biópsia de uma lesão suspeita de LVP, bem como de LO não-homogénea, é importante escolher as partes mais representativas para evitar o subdiagnóstico.
  • O exame histopatológico pode levar a um diagnóstico variável dentro de uma mesma lesão. Por esse motivo, várias biópsias de mapeamento são frequentemente recomendadas. Biópsias de mapeamento múltiplas e periódicas são recomendadas em casos de LVP para detetar diferentes graus de displasia ou para excluir CCEO.
  • Foi relatado em casos de LVP e LO não-homogénea que podem não ser diagnosticados aproximadamente 10% a 17% dos casos de CCEO com a realização de apenas uma única biópsia.

Tratamento e Prevenção

  • O tratamento e a prevenção da LVP são particularmente desafiantes. Na última década, foram propostas diferentes abordagens para reduzir a alta incidência de cancro oral em pacientes com LVP.
  • Até ao momento, nenhum dos tratamentos (cirurgia, exérese com laser, retinoides, terapia fotodinâmica e quimioterapia) se mostrou eficaz na redução do risco de desenvolvimento do cancro oral nesses pacientes.
  • Apesar da falta de evidências sobre a eficácia, o tratamento cirúrgico é a intervenção mais frequente no tratamento da LVP.
  • Quando a LVP é caracterizada por pequenas lesões, e se a área for discreta, pode ser tentada a exérese. Contudo, o paciente deve estar ciente de que será necessário acompanhamento contínuo devido ao alto risco de cancro oral e de recidiva da lesão (71%).
  • A maioria dos casos de LVP demonstra grandes lesões e envolve áreas multifocais não contíguas.
  • Uma revisão sistemática recente evidencia que a taxa geral de recidiva de LVP em todas as modalidades de tratamento é de aproximadamente 85%, sem qualquer redução na incidência de cancro.
  • Por todas essas razões, a excisão cirúrgica de LVP extensa pode ser considerada uma opção de tratamento agressivo, impraticável e desnecessário.
  • Muitos médicos escolhem uma abordagem de “esperar e ver”, sempre acompanhadas de múltiplas biópsias periódicas e examinação clínica regular.
  • O objetivo desta abordagem é identificar o início muito precoce do cancro oral, proporcionando o melhor resultado e prognóstico do tratamento.

Em conclusão, e considerando a alta incidência de cancro em pacientes com LVP, múltiplas biópsias e o acompanhamento clínico rigoroso são obrigatórios (a cada 3-6 meses, dependendo das características clínicas). O momento da transformação maligna é imprevisível, portanto, o acompanhamento contínuo é imprescindível.

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