Lesões do Palato Associadas ao “Tabagismo Reverso”

Lesões do Palato Associadas ao “Tabagismo Reverso”

O “tabagismo reverso” é uma forma incomum de fumar, onde os utilizadores colocam a ponta acesa do cigarro dentro da boca, inalando o fumo. Esta forma particular de fumar é prevalecente no subcontinente indiano. Quando o cigarro é preso entre os dentes e os lábios, o vácuo originado permite uma inalação mais lenta. Para além disso, a humidade proveniente do lábio na ponta oposta do cigarro permite aumentar o tempo da duração e, neste processo, as cinzas são normalmente engolidas. A temperatura intraoral pode chegar até aos 120ºC e os produtos da combustão aumentam a frequência da ocorrência de alterações dentro da cavidade oral, quando comparado com o processo normal de fumar. Há uma relativa escassez de estudos epidemiológicos controlados sobre estas lesões.

Em 2020, o Collaborating Centre for Oral Cancer da Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu as lesões do palato associadas ao tabagismo reverso (LPATR) como “manchas brancas e/ou vermelhas presentes no palato duro associadas ao tabagismo reverso, frequentemente manchadas pela nicotina”. Estas lesões foram descritas pela primeira vez no estado indiano de Andhra Pradesh, na década de 1970. Algumas das alterações na mucosa que reveste o palato têm potencial maligno reconhecido e as LPATR são classificadas como lesão oral potencialmente maligna (OPMDs).

Etiopatogenia

A exposição contínua a altas temperaturas próprias do tabagismo reverso resulta em queimaduras térmicas na mucosa que reveste o palato. Em combinação com os produtos da combustão, estas queimaduras levam ao aumento do aparecimento de lesões no palato, quando comparado aos hábitos tabágicos normais. Os lábios atuam como um vácuo que prolonga o tempo de contacto. Os efeitos carcinogénicos do tabaco estão bem documentados e têm sido descritos ao longo destes tópicos. As queimaduras térmicas, em conjunto com o contacto prolongado com agentes carcinogénicos, resulta em alterações prováveis na mucosa que reveste o palato.

Epidemiologia

  • O “tabagismo reverso” é uma prática comum em todo o mundo. Contudo, verifica-se uma escassez de estudos epidemiológicos que avaliem a distribuição geográfica.
  • Esta prática é mais frequente em climas tropicais e mais quentes nos países em desenvolvimento, como a Colômbia, Venezuela, Panamá e Índia.
  • É também observado nos países desenvolvidos – por exemplo, é comum na ilha italiana da Sardenha.
  • Na Índia, o tabagismo reverso parece ser um hábito tradicional entre as mulheres mais velhas no estado de Andhra Pradesh, no sul do país.
  • O tipo de cigarro usado nessas áreas costuma ser chamado de chutta. A chutta é uma preparação rudimentar de um charuto de comprimento variável que pode ser preparada pelo consumidor ou em fábricas.
  • Uma investigação sobre os fatores psicossociais associados ao tabagismo reverso revelou que o hábito é derivado ou herdado da mãe ou de outras pessoas do círculo familiar ou social.
  • O estudo demonstra uma profunda etiologia psicológica, uma vez que não há qualquer benefício físico aparente para justificar a perpetuação desta prática.

Manifestações Clínicas

Bharath et al. fazem a distinção das alterações palatinas induzidas pelo fumo reverso conforme:

  • Hiperpigmentação, onde se observa pigmentação preta/acinzentada difusa ou focal bem definida, como resultado da iniciação dos melanócitos. As margens são tipicamente irregulares, quando comparadas à pigmentação racial fisiológica que se apresenta como máculas castanho-escuras, assintomáticas, com bordas menos definidas.
  • A despigmentação apresenta-se como áreas pálidas na mucosa oral, muitas vezes circundadas por áreas de hiperpigmentação. Bharath et al levantaram a hipótese de que os melanócitos atuam como um antioxidante que elimina os produtos tóxicos produzidos pelo tabaco durante a combustão. O tabagismo reverso prolongado pode privar essa barreira de defesa da melanina causando uma redução na sua produção. A despigmentação também pode ser descrita como queratose palatal.
  • As excrescências descrevem áreas elevadas de aproximadamente 1 a 3 mm, com pontos centrais que marcam os orifícios da glândula salivar minor na mucosa que reveste o palato. Estes representam a reação palatina inicial em indivíduos com hábitos de tabagismo reverso. As excrescências têm sido historicamente usadas como sinónimos de “nicotina palatini” observadas em fumadores convencionais mas que, no entanto, carregam um maior potencial maligno. Os orifícios são muitas vezes referidos como depressões centrais.
  • Alterações Potencialmente Malignas: estas áreas são clinicamente indistinguíveis da leucoplasia e da eritroplasia. Estas condições foram já descritas em tópicos anteriores.
  • Ulceração: Representam uma reação do tipo “queimadura” da mucosa que reveste o palato por lesão térmica, sendo essas úlceras frequentemente semelhantes a depressões. A ulceração pode ser o resultado direto da lesão térmica; pode, porém, também representar carcinoma inequívoco.

Além disso, lesões multimórficas com todas as anteriores foram descritas, onde todas ou algumas das alterações palatinas acima coexistem em uma única lesão.

Diagnóstico Diferencial

Condições específicas o como líquen plano oral, candidíase oral e lúpus oral podem apresentar características clínicas como as enumeradas acima. Estes podem ser excluídos com anamnese cuidadosa e uma investigação dos hábitos de tabagismo reverso. A candidíase oral pode ser excluída por meio de um esfregaço para cultura e o paciente também pode ter outros fatores de risco para candidíase oral, como imunossupressão coexistente. A diferenciação entre leucoplasia e eritroplasia foi descrita noutras partes desta ferramenta de e-learning.

Diagnóstico

A investigação cuidadosa dos hábitos recreativos e verificação de práticas de tabagismo reverso de longa data devem levar a um alto grau de suspeita clínica quando são observadas alterações na mucosa que reveste o palato. O exame oral convencional com iluminação adequada deve ser suficiente para detetar alterações desta mucosa.

Dado o potencial maligno das LPATR, é imprescindível fazer uma biópsia destas lesões que podem inclusivamente apresentar vários graus de displasia ou carcinoma. As excrescências, especificamente, têm apresentado histologicamente hiperplasia da camada epiletial dos ductos.

Tratamento e Prevenção

O tratamento depende do diagnóstico histológico. Lesões com displasia moderada a grave podem ser submetidas a excisão cirúrgica. Da mesma forma, o carcinoma é tratado por excisão cirúrgica, com ou sem drenagem cervical e radioterapia, dependendo do tamanho da lesão e da profundidade da invasão. A taxa exata de transformação maligna de LPATR é desconhecida devido à falta de estudos. Da mesma forma, as taxas de recorrência após o tratamento também são desconhecidas. Van Der EB et al. concluíram que fumar chutta é um dos principais fatores determinantes para o desenvolvimento de cancro do palato. É assumida uma relação com frequência de utilização; porém, não pode ser confirmada devido à escassez de estudos.

Síntese

O tabagismo reverso é um hábito raro e peculiar, que resulta numa multiplicitude de alterações na mucosa que reveste o palato, podendo variar de hiperpigmentação a carcinoma. Dada a falta de estudos que avaliem esta doença, persistem ainda muitas questões sem resposta quanto à etimologia, tratamento e prevenção e taxa de transformação maligna.

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