Doença do Enxerto contra o Hospedeiro (DEcH) Oral

Doença do Enxerto contra o Hospedeiro (DEcH) Oral

Doença do Enxerto contra o Hospedeiro Oral

O objetivo desta ferramenta de e-learning é providenciar informação sobre a epidemiologia, características clínicas, diagnóstico e tratamento da Doença do Enxerto contra o Hospedeiro.

A Doença do Enxerto contra o Hospedeiro (DEcH) é uma condição imunológica que se desenvolve após o transplante alogénico de células estaminais hematopoiéticas (TACEH). É uma das principais causas de morbilidade e mortalidade não-reincidente nesse grupo de pacientes. A incidência e a prevalência de DEcH têm vindo a aumentar devido à extensão das indicações clínicas para tratamento por TACEH e à sua sobrevivência, bem como acompanhamento prolongado dos pacientes. A DEcH é um indicador do sucesso do tratamento, pois devido ao efeito Enxerto versus Tumor (EvT), há menor risco de recidiva de malignidade. Portanto, há um equilíbrio entre EvT e a DEcH crónica para resultados ótimos de transplante.

Epidemiologia

A DEcH desenvolve-se em 40 a 60% dos pacientes submetidos a transplante alogénico de células estaminais hematopoiéticas (TACEH). A incidência é maior em pacientes em idade pediátrica. É uma das maiores causadas de morbilidade e é fatal para cerca de 15% dos pacientes. Tanto a DEcH aguda (DEcHa) como a crónica (DEcHc) podem ter manifestações orais. A incidência da DEcH crónica varia entre os 25 e os 80%.

As lesões orais são raras nos casos de DEcH aguda e, portanto, a incidência é desconhecida. A cavidade oral é afetada em mais de 70% dos casos de DEcH crónica.

Manifestações Clínicas

A DEcH é uma doença multissistémica, podendo ser aguda ou crónica. A DEcH aguda pode ser classificada como clássica (ocorre nos primeiros 100 dias após o TACEH) ou tardia, recorrente ou persistente (se ocorrer após esse período), podendo ser observada em pacientes com condicionamento não-mieloablativo. Da mesma forma, a DEcH crónica também pode manifestar-se como DEcH crónica clássica (sem overlap, mas com algumas características de DEcH aguda) ou como síndrome de overlap (com apresentação simultânea de características da DEcH aguda e crónica em, por exemplo, pacientes que recebem infusões de linfócitos do doador).

» DEcH Aguda

DEcH Aguda

  • A DEcH aguda afeta maioritariamente a pele, o fígado e o trato gastrointestinal.
  • Os primeiros sinais visíveis da doença são, por norma, as lesões cutâneas (14).
  • Nos casos de DEcH aguda, a mucosa oral raramente é afetada e as lesões são inespecíficas (15).
  • As lesões podem ainda ser visíveis na mucosa oral ou nos lábios, manifestando-se como gengivite, mucosite, eritema ou ulceração.
  • No caso de síndrome de overlap, as lesões orais podem ter a aparência de líquen plano oral ou alterações hiperqueratóticas.

» Ver menos

» DEcH Crónica

DEcH Crónica

  • A DEcH crónica pode manifestar-se como um de três modos: 1) início num paciente que não apresentava lesões prévias de DEcH aguda; 2) início quiescente após a desaparecimento completo das lesões de DEcH aguda e 3) início progressivo quando a DEcH crónica é imediatamente seguida de DEcH aguda.
  • Esta doença pode afetar um ou múltiplos órgãos. Os locais mais afetados são a pele, olhos, cavidade oral, trato gastrointestinal, fígado e pulmões.

» Ver menos

» Cavidade Oral

Cavidade Oral

Na cavidade oral, a DEcH crónica pode ser classificada como DEcH crónica da mucosa oral, doença da glândula salivar e doença esclerosa.

  • A doença da mucosa oral apresenta-se como estrias brancas, eritema e úlceras, afetando frequentemente a mucosa oral e a lateral da língua (Figura 1).
  • As lesões são dolorosas e dificultam a ingestão de comida e bebida. Na gengiva, as lesões manifestam-se na forma de eritema e descamação, com ou sem a presença de estrias brancas (Figura 2).
  • As lesões gengivais são dolorosas e podem impedir uma correta higiene oral.
Figura 1. Lesão ulcerativa envolvendo a mucosa oral em paciente com DEcH crónica.
Figura 1. Lesão ulcerativa envolvendo a mucosa oral em paciente com DEcH crónica.
Figura 2. Envolvimento gengival com apresentação de eritema e estrias em paciente com DEcH crónica.
Figura 2. Envolvimento gengival com apresentação de eritema e estrias em paciente com DEcH crónica.
  • A forma esclerosa da DEcH afeta a pele da zona facial e a cavidade oral. Pode manifestar-se em dificuldade em abrir a boca, perda de elasticidade nos lábios e movimento da língua restringido.
  • A fibrose grave pode resultar em partes vestibulares rasas e defeitos periodontais altamente deteriorantes da função oral. A higiene oral e os procedimentos odontológicos podem ser severamente comprometidos.

A avaliação da DEcH oral crónica é importante tanto para a prática como para a investigação clínica.

» Ver menos

» Diagnóstico

Diagnóstico

  • O diagnóstico de DEcH aguda é estabelecido com base no historial e examinação clínicos da pele, fígado e trato gastrointestinal nos primeiros 100 dias depois do TACEH e após ser concluído que não corresponde aos critérios de diagnóstico de DEcH crónica.
  • O diagnóstico baseia-se na exclusão de outras condições e na coexistência de DEcH aguda noutros órgãos (pele, fígado, intestinos) (15). Esses pacientes são diagnosticados com DEcH aguda clássica.
  • Alguns pacientes podem desenvolver sinais de DEcH aguda depois dos 100 dias após o TACEH, sem apresentar sinais diagnósticos de DEcH crónica. Esses pacientes são diagnosticados com DEcH aguda persistente, recorrente ou tardia.

Pacientes com pelo menos um sinal distintivo de DEcH crónica sem sinais de DEcH aguda são diagnosticados com DEcH clássica. Pacientes com sinais de DEcH aguda e DEcH crónica são diagnosticados com síndrome de overlap (23). A distinção diagnóstica entre DEcH aguda e a DEcH crónica é apresentada na Figura 3.

Tabela: DEcH aguda e crónica  

DEcH Aguda
Crónica
Erupções cutâneas, vómitos, náuseas, perda de apetite, diarreia, hepatite colestática.Características liquenoides típicas, eritema, ulceração, leucoplasia, boca seca e limitação de movimento mandibular.
Clássica: ocorre dentro de um período de 100 diasClássica: pelo menos um diagnóstico/manifestação distinta, sem restrição temporal
Persistente/Recorrente/Tardia aguda: Após período de 100 diasSíndrome de overlap: Características de DEcH aguda e crónica, sem restrição temporal
  • Se as lesões da DEcH crónica tiverem um aspeto tipicamente liquenoide, o diagnóstico é feito clinicamente.
  • Nos casos em que existe eritema, ulceração ou placas brancas, sem as típicas estrias brancas, é necessário fazer uma biópsia para confirmar o diagnóstico e excluir outras condições.

» Ver menos

Diagnósticos Diferenciais

O diagnóstico diferencial da DEcH oral pode incluir infeções virais e fúngicas (geralmente vírus herpes simplex (HSV), candidose), eritema multiforme, líquen plano, reações liquenoides e lúpus discoide. Os resultados histopatológicos da DEcH crónica da mucosa oral incluem inflamação da interface liquenoide, exocitose de leucócitos e apoptose de queratinócitos. Os resultados histopatológicos da DEcH da glândula salivar demonstram infiltração linfocítica periductal intralobular (frequentemente acompanhada de fibrose) e exocitose de linfócitos nos ductos intralobulares e ácinos.

Tratamento e Prevenção

O objetivo do tratamento da DEcH oral é aliviar os sintomas para permitir a função oral ininterrupta. O tratamento tópico é o mesmo para DEcH aguda e crónica. Nos casos de DEcH crónica com envolvimento da cavidade oral, a terapia tópica é o tratamento de primeira linha, podendo ser complementada com terapia sistémica. O tratamento preferido na terapia sistémica inclui corticosteroides, com ou sem uso de ciclosporina.

» DEcH da mucosa

DEcHc da mucosa

  • O tratamento de primeira linha da DEcH da mucosa oral inclui corticosteroides tópicos e inibidores de calcineurina, como os tacrolimus.
  • Os corticosteroides tópicos de potência variável podem ser aplicados como soluções, géis, cremes ou pomadas várias vezes ao dia. Injeções intralesionais de corticosteroides (por exemplo, acetonido de triancinolona) para ulceração localizada são úteis para lesões persistentes e resistentes ao tratamento.
  • O tacrolimus tópico pode ser usado como terapia complementar. A pomada de tacrolimus (disponível em 0,03% e 0,1%) é recomendada para lesões nos lábios, enquanto a solução de tacrolimus é a escolha mais adequada para a zona intraoral.
  • A dor oral pode ser controlada com agentes anestéticos locais como lidocaína viscosa ou analgésicos sistémicos, como os opióides.
  • Manter uma boa higiene oral é difícil. Deve ser recomendada a utilização de pastas dentífricas com pH neutro e evitar as que tenham sabor mentolado, uma vez que pode agravar a irritação. Recomenda-se o uso de escovas de dentes ultra suaves nos casos de lesões orais dolorosas.

» Ver menos

» DEcH crónica oral esclerótica

DEcH Crónica Oral Esclerótica

  • As alterações escleróticas tendem a ser progressivas e irreversíveis.
  • Os pacientes deverão ser aconselhados a fazer fisioterapia diariamente para aumentar a flexibilidade dos tecidos periorais.
  • O tratamento sistémico da DEcH crónica pode ser garantido e, em alguns casos, pode ser necessário recorrer ao tratamento cirúrgico.

» Ver menos

Complicações

  • Os pacientes normalmente desenvolvem candidose oral devido à boca seca, imunossupressão e profilaxia antimicrobiana. A terapia antifúngica profilática deve ser administrada a pacientes com fatores predisponentes. A candidose oral deve ser tratada com terapia antifúngica sistémica, geralmente fluconazol.
  • Também é possível ocorrer infeções recorrentes por vírus herpes simplex (HSV), muitas vezes com apresentações atípicas. O tratamento preferencial passa pela administração de antivirais sistémicos (aciclovir).
  • Após o TACEH, os pacientes têm risco aumentado de um segundo cancro primário. O risco de cancro oral em pacientes com DEcH crónica é 6 vezes maior em comparação com a população geral. Quanto maior o tempo desde o transplante, maior o risco de aparecimento de cancro. O tempo médio para o desenvolvimento de cancro oral após o TACEH é de 6 a 8 anos. As recomendações do National Institutes of Health (NIH) sugerem que os pacientes sejam examinados duas vezes por ano. Nos casos de desenvolvimento de cancro oral, o tempo de acompanhamento deve ser prolongado dado o risco de recorrência.

Síntese

A maioria dos pacientes com DEcH crónica apresenta manifestações orais da doença. O tratamento é sintomático e visa preservar a função e melhorar a qualidade de vida. Devido ao aumento do risco de desenvolvimento de cárie dentária e risco de cancro oral, é recomendado o acompanhamento a longo prazo e examinação da mucosa oral duas vezes por ano.

Read more

Treister N, Schubert MS, Fall-Dickson JM. Oral chronic graft vs host disease. In: Vogelsang GB, Pavletic SZ, eds. Chronic Graft-Versus-Host Disease: Interdisciplinary Management. New York: Cambridge University; 2009:182–198.

Mays JW, Fassil H, Edwards DA, Pavletic SZ, Bassim CW. Oral chronic graftversus-host disease: current pathogenesis, therapy, and research. Oral Dis. 2013;19(4):327–346.

Jagasia M, Arora M, Flowers ME, et al. Risk factors for acute GVHD and survival after hematopoietic cell transplantation. Blood 2012;119(1):296–307.

Atkinson K, Horowitz MM, Gale RP, et al. Risk factors for chronic graft-versus-host disease after HLA-identical sibling bone marrow transplantation. Blood 1990;75(12):2459–64.

Kuten-Shorrer M, Woo SB, Treister NS. Oral graft-versus-host disease. Dent Clin North Am. 2014;58(2):351-68.

Blazar BR, Murphy WJ, Abedi M. Advances in graft-versus-host disease biology and therapy. Nat Rev Immunol 2012;12(6):443–58.

Weiden PL, Sullivan KM, Flournoy N, et al. Antileukemic effect of chronic graftversus-host disease: contribution to improved survival after allogeneic marrow transplantation. N Engl J Med 1981;304(25):1529–33.

Schubert MM, Correa ME. Oral graft-versus-host disease. Dent Clin North Am 2008;52(1):79–109 viii-ix.

Treister NS, Cook EF Jr, Antin J, et al. Clinical evaluation of oral chronic graftversus-host disease. Biol Blood Marrow Transplant 2008;14(1):110–5.

Treister N, Duncan C, Cutler C, et al. How we treat oral chronic graft-versus-host disease. Blood 2012;120(17):3407–18.

Jagasia MH, Greinix HT, Arora M, et al. National Institutes of Health Consensus Development Project on criteria for clinical trials in chronic graft-versus host disease: I. The 2014 Diagnosis and Staging Working Group report. Biol Blood Marrow Transplant 2015;21(3):389–401.e1.

Filipovich AH, Weisdorf D, Pavletic S, et al. National Institutes of Health consensus development project on criteria for clinical trials in chronic graftversus-host disease: I. Diagnosis and staging working group report. Biol Blood Marrow Transplant 2005;11(12):945–56.

Mielcarek M, Martin PJ, Leisenring W, et al. Graft-versus-host disease after nonmyeloablative versus conventional hematopoietic stem cell transplantation. Blood 2003;102(2):756–62.

Elad S, Aljitawi O, Zadik Y. Oral graft-versus-host disease: a pictorial review and a guide for dental practitioners. Int Dent J. 2020 Jun 28. doi: 10.1111/idj.12584.

Przepiorka D, Weisdorf D, Martin P, et al. 1994 Consensus Conference on Acute GVHD Grading. Bone Marrow Transplant 1995;15(6):825–8.

Dignan FL, Clark A, Amrolia P, et al. Diagnosis and management of acute graftversus-host disease. Br J Haematol 2012;158(1):30–45.

Shulman HM, Sale GE, Lerner KG, et al. Chronic cutaneous graft-versus-host disease in man. Am J Pathol 1978;91(3):545–70.

Lee SJ, Vogelsang G, Flowers ME. Chronic graft-versus-host disease. Biol Blood Marrow Transplant 2003;9(4):215–33.

Imanguli MM, Alevizos I, Brown R, et al. Oral graft-versus-host disease. Oral Dis 2008;14(5):396–412.

Meier JK, Wolff D, Pavletic S, et al. Oral chronic graft-versus-host disease: report from the International Consensus Conference on Clinical Practice in cGVHD. Clin Oral Investig 2011;15(2):127–39.

Pavletic SZ, Martin P, Lee SJ, et al. Measuring therapeutic response in chronic graft-versus-host disease: National Institutes of Health Consensus Development Project on Criteria for Clinical Trials in Chronic Graft-versus-Host Disease: IV. Response Criteria Working Group report. Biology of blood and marrow transplantation: journal of the American Society for Blood and Marrow. Transplantation 2006;12(3):252–66.

Lee SJ, Wolff D, Kitko C, et al. Measuring therapeutic response in chronic graft-versus-host disease. national institutes of health consensus development project on criteria for clinical trials in chronic graft-versus-host disease: IV. The 2014 Response Criteria Working Group Report. Biol Blood Marrow Transpl 2015;21(6):984–99.

Margaix-Muñoz M, Bagán JV, Jiménez Y, Sarrión MG, Poveda-Roda R. Graft-versus-host disease affecting oral cavity. A review. J Clin Exp Dent. 2015;7(1):e138-45.

Shulman HM, Kleiner D, Lee SJ, et al. Histopathologic diagnosis of chronic graft-versus-host disease: National Institutes of Health Consensus Development Project on Criteria for Clinical Trials in Chronic Graft-versus-Host Disease: II. Pathology working group report. Biol Blood Marrow Transplant 2006;12(1):31–47.

Fall-Dickson JM, Cordes S, Berger AM. Oral complications. In: DeVita VT, Lawrence TS, Rosenberg SA, eds. Cancer: Principles and Practice of Oncology. 11th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2019:2094–2108.

Jaglowski SM, Blazar BR. How ibrutinib, a B-cell malignancy drug, became an FDA-approved second-line therapy for steroid-resistant chronic GVHD. Blood Adv. 2018;2(15):2012–2019.

Fall-Dickson JM, Pavletic SZ, Mays JW, Schubert MM. Oral Complications of Chronic Graft-Versus-Host Disease. J Natl Cancer Inst Monogr. 2019;2019(53): lgz007.

Treister N, Li S, Lerman MA, et al. Narrow-band UVB phototherapy for management of oral chronic graft-versus-host disease. Photodermatol Photoimmunol Photomed 2015;31(2):75–82.

Elad S, Jensen SB, Raber-Durlacher JE, et al. Clinical approach in the management of oral chronic graft-versus-host disease (cGVHD) in a series of specialized medical centers. Support Care Cancer 2015;23(6):1615–22.

Carpenter PA, Kitko CL, Elad S, et al. National institutes of health consensus development project on criteria for clinical trials in chronic graft-versus-host disease: V. The 2014 Ancillary Therapy and Supportive Care Working Group Report. Biol Blood Marrow Transpl 2015;21(7):1167–87.

Elad S, Zadik Y, Zeevi I, et al. Oral cancer in patients after hematopoietic stem-cell transplantation: long-term follow-up suggests an increased risk for recurrence. Transplantation 2010;90(11):1243–4.

Table of Contents
OPMDCARE Top
Scroll to Top